A médica cubana Ceramides Almora Carbonell, 42 anos, falava emocionada da recepção calorosa dos brasileiros, quando concedeu entrevista à Carta Maior nos corredores da Fiocruz, em Brasília, onde médicos brasileiros e estrangeiros que irão atuar no Programa Mais Médicos participam de um curso de formação. Na entrevista à Carta Maior, ela fala sobre sua experiência como médica e sobre a situação da saúde em seu país. Por Najla Passos.
Najla
Passos
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- É mais fácil deixar seu país quando não se tem marido e filhos?, questionei.
“Não tenho marido e filhos, mas tenho família: pai, mãe, irmão. Mas mesmo meus
colegas que têm filhos, não temem deixá-los porque sabem que, em Cuba, eles
serão muito bem assistidos, terão acesso gratuito à educação e saúde de
qualidade. Além disso, os colegas médicos que permanecem na ilha criam uma
espécie de rede de solidariedade para atender as famílias dos que estão fora.
Nossos companheiros policlínicos visitam nossas famílias e cuidam para que
sejam assistida nas suas necessidades. Eles ligam para meus pais, visitam minha
casa e, assim, posso viajar tranquila”, explicou.
- Seus pais também são médicos?
“Não. Eles são professores, já aposentados".
- E seu irmão, é médico?
“Não, eletricista. Sou a única médica da família”.
- E como você decidiu fazer medicina?
"Em Cuba, as escolas promovem ciclos de interesse que vão combinando as
coisas que você gosta desde pequena. Por exemplo, vão bombeiros, professores,
esportistas e vários outros profissionais, dentre eles os médicos. Isso para
formar, desde pequeno, conhecimento sobre todas as áreas. Eu sempre gostei
sempre da medicina. No ensino médio, participei do ciclo de interesse de
cirurgia experimental e, depois, ainda participei do ciclo de medicina geral e
integrada, ainda em Pinar Del Rio. Depois passei pela faculdade de medicina,
seis anos de muito estudo. Era um período muito duro. Mas consegui nota máxima
em todas as disciplinas. Em seguida, prestei os dois anos de serviço social
obrigatório em Guane".
- Você voltou a sua cidade natal para clinicar?
"Sim, é uma cidade muito pequena, mas gosto muito de trabalhar lá".
- Não fez nenhuma especialização?
"Depois do serviço social, fiz três anos de especialização em medicina
geral e integrada, como todos os médicos cubanos que vieram para o Brasil.
Seria o equivalente, aqui no Brasil, a medicina familiar, que ensina ver a
pessoa no seu conjunto. Fiz a especialização em dois níveis. Sou mestre em
Procedimento e a Diagnósticos Primários de Atenção à Saúde".
- E como você aprendeu o português?
Meu pai morou na Guiné Bissau por um ano e se apaixonou pelo idioma. Ele me
ensinava desde que eu era bem pequena.
- Você disse que, em Cuba, os estudantes escolhem fazer medicina por vocação.
No Brasil, os cursos de medicina são os mais caros, nas universidades
particulares, e os mais concorridos, nas universidades públicas e, com isso,
acaba que praticamente só os mais ricos, que têm como pagar uma educação de
maior qualidade, conseguem acesso a eles.
"Em Cuba, a oportunidade é a mesma para todos os cubanos. Primeiro, não há
classes sociais diferentes. Todos somos iguais. Não há discriminações por sexo
ou raça. Sou mulher, sou mulata, mas estou aqui como todos os outros
companheiros da brigada."
- Os brasileiros têm muita dificuldade em entender como vocês podem vir para cá
sem receber o mesmo salário pago aos demais profissionais que integram o
programa, como vocês aceitam que parte dos seus salários seja retida pelo
governo. Como você vê isso?
"Eu conheço essa polêmica capitalista. É que vocês não entendem que nós
não trabalhamos por dinheiro, mas por solidariedade, humanismo. O comandante
Fidel Castro, nosso líder nacional e também latino-americano e mundial, tem uma
frase que diz que “ser internacionalista é saudar nossa própria dívida com a
humanidade”. E nós carregamos esse conceito em nosso coração. Desde pequenos,
já aprendemos sobre internacionalismo, solidariedade, honradez, bondade,
profissionalismo. Eu acho até que o povo cubano não poderia viver sem esses
conceitos, que estão na base da sua cultura. Como diz nossa ministra da Saúde,
temos um recurso muito grande, que é nosso próprio conhecimento e o amor do
nosso povo por outros povos irmãos".
- Você falou que já esteve em outras missões internacionais...
"Sim, trabalhei por dois anos na Bolívia, em Potosí, o departamento mais
pobre do país. Um lugar cheio de riquezas, mas onde o povo é muito pobre.
Também atuei em Três Cruzes, uma aldeia muito pequena e pobre. Lá, eu tive o
prazer de trabalhar muito e conseguir inaugurar um hospital. Em Honduras,
trabalhei em Nova Esperança, em municípios muito pobres.
- E, nesses locais, vocês tinham acesso a equipamentos, infraestrutura e
tecnologia para atender adequadamente os pacientes?
"Não. Nós trabalhávamos com o método clínico. Nós examinávamos os
pacientes. Tocávamos as pessoas, conversávamos com os doentes. A falta de
tecnologia não é problema para mim e nem para a brigada cubana, que trabalha
muito com este método. E é com isso que esperamos melhorar muito a saúde do seu
povo. Muitos países não têm dinheiro para pagar a tecnologia avançada. Sei usar
um ultrassom, mas pratico muito o método clínico".
- Outra crítica das entidades médicas brasileiros é que, em Cuba, por conta do
longo embargo econômico, o acesso à tecnologia é muito restrito, o que provoca
uma defasagem na formação dos médicos e os impossibilita de atuar adequadamente
no Brasil. Você concorda com isso?
"Cuba é um país pobre e bloqueado, mas nossos indicadores de saúde são
excelentes. E isso não tem a ver com muita tecnologia. Estamos entre os cinco
países com menor índice de mortalidade infantil: menos de 4,5 por mil nascidos
vivos. Isso é graças ao nosso esforço, porque estudamos muito, investimos em
pesquisas, praticamos muito o método clínico, e isso faz a diferença. Também
temos uma vigilância epidemiológica muito boa, fundamental para todos. E a
saúde cubana é multissetorial: até a população participa. A dengue, por
exemplo, é uma doença transmissível. Se o governo não educa sua população,
todos morremos.
- Há dengue em Cuba?
"Não, não há. Eu citei a dengue porque é uma doença comum no Brasil. Já
atendi muitos pacientes com dengue, mas em Honduras. Não em Cuba, que temos uma
vigilância epidemiológica forte. E nem na Bolívia, porque atuei no altiplano,
onde é muito frio".
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